A Morte

A Morte
óleo s/tela de Guilherme de Faria 1967

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Ritual (de Alma Welt)

Para a minha Musa eu merecer
E os poemas que me entrega,
Devo estar e não somente parecer
Clara, fresca, não saída de refrega.

O olhar límpido, a pele descansada,
Os cabelos soltos e sem laços
Vestes brancas, também, de iniciada
E meus brancos pés em lentos passos.

Assim escrevo meu soneto matinal
Que abre o meu dia sem deveres,
Todavia em constante ritual.

Pois muito cedo votei-me à Poesia
E descartei os fúteis padeceres,
Percebendo que a Morte também lia...

(sem data)

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O Labirinto de Dioniso (de Alma Welt)

É possível um ser o outro conhecer?
Poderemos penetrar num coração?
A pobre alma trancada num porão
Realmente quer fugir ou transcender?

Estaria o grego antigo enganado:
Como Ícaro de mal coladas penas,
No corpo de um Titã, encarcerado,
Dioniso mal tem asas de falenas...

E medroso, submisso, acovardado
Quisera ali ficar eternamente
Pois teme o que haverá do outro lado,

Já que o teto azul, solar, do labirinto
(não se trata de um porão, eu bem o sinto)
É consolo e ledo engano, suficiente...

(21/08/2005)

sábado, 24 de outubro de 2009

O Ser e a Poesia (de Alma Welt)

Pensar o Ser, tarefa inconclusiva
É do filósofo a grande obsessão,
Embora o Ser em si, matéria viva,
Dispense o pensar, tal como a ação.

"Estar-aí-no-mundo", eis a senha,
Possível entre o Poeta e a Poesia
A quem, real, repugna a resenha
Do que claro e pronto já nascia.

Assim, não confundamos os estribos
Das selas de um e outro cavaleiro
Que por certo vêm de duas tribos.

Quanto a mim, seduzida, já o sinto,
Na Noite do pensar, sem candeeiro,
Perdida devo estar, no labirinto...

29/12/2005

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Meta-física (de Alma Welt)

Concentro meu olhar numa cadeira,
Para sentir a essência da Natura.
Ou muito além, naquela vã fronteira,
Para inferir da Terra a curvatura.

O pó, a relva, inseto ou ave,
Tudo contém o todo e o universo.
Na verdade, o mundo e seu reverso,
Pois no hiato mesmo está a chave.

No átomo o vazio é bem maior,
Dizem os cientistas (um espanto!),
Do que a matéria ao seu redor.

E entre saudade, dor, e a solidão,
Que sempre me acompanharam tanto,
Está o espaço da humana condição...

(sem data)

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O Eterno Retorno (II) (de Alma Welt)

Não digo adeus às coisas tão amadas
Que me acompanharam nesta vida,
Como o canto das aves nas ramadas
Ou as cores que me põem embevecida

Dos poentes que me fazem ver o além
E descortinam a glória que teremos,
Quando não diremos mais “amém”,
Mas seremos já o que nós vemos,

Integrados no Mundo e no Devir,
Sóis, espaço-tempo, eternidade,
Ou só um cometa em sua saudade

Na viagem solitária, extrema em si,
Durante a longa jornada a se esvair,
Para voltar ao lar, que é mesmo aqui...

08/01/2007

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Após a queda (de Alma Welt)

Após a queda, retorno ao casarão,
Que andara pelo mundo, peregrina
Em busca de algo numa esquina
Que mesmo aqui estava, neste chão.

De meu feudo a Morte me expulsara,
Não me queria aqui sem o meu Vati.
De Infanta destronada se livrara,
Que me tornara amarga como o mate...

A Usurpadora lágrimas não quer,
Um pé lá, outro na vida qual anfíbia,
Mas na macabra orgia é só mulher,

Devassa, sinistra e falsa amável,
A vi tocar um violino numa tíbia
Na sala do defunto inigualável...

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A Frota de Naufrágios (de Alma Welt)

Reconstruo a cada dia o arcabouço
De meus planos e sonhos acordados
Que ao final do dia eu bem os ouço
Gemer e afundar qual naufragados

Com o belo sol poente deste pampa
Que anuncia a noite de outro sonho
E logo da Pandora erguendo a tampa,
Aquela dos poemas que componho

Como barcos de gregos e de sírios
Que se juntam na praia, controversos,
E constroem uma frota de delírios...

Quantas inquietudes, cismas várias,
Quanta lucidez perdida em versos,
Estranha frota de barcaças solitárias!

21/11/2005

O poeta (de Alma Welt)

O poeta não nasce em qualquer um
Senão naqueles seres de exceção
Que recusam o falso e o comum
Procurando alturas e amplidão.

Não me venham dizer que a poesia
É vã ou que sem ela bem vivemos!
O ser que, infeliz, não se extasia
É menor que o animal que percebemos

Como o lobo uivando à luz da lua
Ou o pássaro que canta na floresta
E a cigarra que o minuto perpetua

Alongando os segundos com seu verso,
E na muralha cavando aquela fresta
A minar o grande dique do universo...

(sem data)

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Amor e Arte (de Alma Welt)

Muitos são os nomes do divino
Mas por certo o Amor é o primeiro,
Com a Arte, sua face e violino,
O poético real e verdadeiro.

Passar por esta vida como um canto,
Um poema, um quadro ou um desenho
Que tenham do amor o mesmo encanto
E se queira buscar com mesmo empenho

É milenar nota do artista, distintiva,
Que há de pagar por ela um alto preço,
É dom que traz de Deus a marca viva.

Então a alma canta, os traços vibram
A palavra recobra o seu apreço,
E pronto: vida e morte se equilibram.

(sem data)

Antípodas (de Alma Welt)

Para ser a Alma mesma que me cabe
Devo cantar somente ou versejar
Acordar em ser e êxtase de amar
Para viver como se nada nunca acabe.

Todavia aquele espectro soturno
Teima em me seguir e acompanhar
Mesmo quando é dia e não seu turno,
Que é da noite seu tempo e seu lugar.

Mas eu sei que os polos se entrelaçam
E para um deles ser, o outro oponho,
Que sozinhos ambos doem e ameaçam.

E o mistério de viver nisto consiste:
Estar no mundo e saber que tudo é sonho,
O mundo é belo, e de verdade... nem existe.

domingo, 11 de outubro de 2009

A Verdade (de Alma Welt)

A Verdade a todos nos liberta,
Ou torna a mente bem mais leve,
Já dizia um velho bom profeta.
Mas fará mais longa a vida breve?

Encarar a Verdade em fundamento
Quase foi fatal a esta guria,
Pois a Morte, angústia-pensamento,
Cedo à consciência me irrompia.

A idéia de que possa ser o Nada
E a dissolução de todo o Ser
Atormenta cada rês desta manada.

A mim quase me fez desesperada,
Até o poeta em mim me prometer
Deixar-me ser em nova temporada...

(sem data)