A Morte

A Morte
óleo s/tela de Guilherme de Faria 1967

domingo, 27 de dezembro de 2009

Os viajantes do Nada (de Alma Welt)

O que poucos viajantes nos contaram
Da Morte não merecem o neles crer,
E foram muito raros os que voltaram:
Orfeu, Hercules, Dante, e o armênio Er.

E talvez uns poucos mais discretos
Que preferiram na volta se calar
Pois os lances e ritos mais secretos
Não quiseram certamente alardear.

Cristo foi um deles: por seguro
Não deixou que o tocasse a Madalena
Alegando ainda não estar puro...

Só sei que o mal dito em forma plena
Só nos aumenta o medo desse escuro
E ao Nada novamente nos condena.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Quando cessam as palavras (de Alma Welt)

Tendo vivido pela força da palavra
Só temo o tal momento de afazia
Final, quando a mente a língua trava
Pois nada mais restou para a Poesia,

Quando não mais se tem o que dizer
E tudo se resume num suspiro
Ou numa dor tão grande de morrer
E deixar o mundo em seu respiro,

Que afinal era tão belo como era
Com as mágoas e a feiúra sem sentido
Pois nele havia infância ou houvera.

E numa espécie muda de “aqui vamos”,
Talvez como um sonho indefinido
Alcançamos a paz que não sonhamos.

(sem data)

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

As horas voam (de Alma Welt)

As horas voam, é o que elas fazem,
Ou então cavalgam os cometas,
Não param, e no tempo se desfazem
Não antes de pedir que não te metas.

São senhoras sérias e apressadas
Talvez por serem filhas de um atleta,
O Tempo de larguíssimas passadas
Só tem tempo para a sua predileta,

A temporã, que te vê e se emociona,
A única que ainda se debruça
E ouve teus lamentos de chorona.

E então vês que a vida é fictícia
E já não tens teu ursinho de pelúcia,
Não tens mais as horas de delícia...

09/12/2006

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O rio ( de Alma Welt)

Atirados na corrente sempre fomos
Em que nos debatemos e bradamos;
O rio em que nascendo mergulhamos
Ainda é o mesmo desde Cronos,

E não como o Heráclito dizia
Que nunca é o mesmo para nós;
O Tempo para o homem não sorria
Na aurora e tampouco logo após,

E ínclito, impávido, inclemente
Como rio real, e não da mente,
Passa sem levar-nos em questão,

Pois o que é uma folha que navega
Ou um pequeno galho que se entrega
Se levados vamos todos de roldão?...


08/07/2006

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

La vida es sueño (de Alma Welt)

Penso logo existo, diz Descartes,
E eu de mim começo a duvidar.
Serei eu uma alma a me pensar
Ou o fruto final da minha arte?

Se olho para trás minha bagagem
Constato que ela é bem mais real,
Em peso, densidade e coragem,
Do que esta pele branca de areal.

Somos sonho de um deus desconhecido,
Não sabemos o seu nome para orar
E tememos mais ainda o acordar...

Pois no despertar tudo é perdido,
E dói, ah! como dói ver desfiar
Um sonho noutro sonho entretecido...

(sem data)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A Pergunta (de Alma Welt)

Saberei morrer, chegada a hora?
Eis a pergunta que nunca quer calar.
Somos para morte aqui e agora,
Nunca prontos e sempre a adiar.

Não estou muito certa de que a vida
Seja mesmo um projeto que deu certo
Uma vez que é menos bela que sofrida
E o final se passa sempre no deserto.

Ou então, triste, solitária e dolorida
É a nossa chegada àquele porto
Onde não há festa e sim um morto,

Que somos nós, esticados, macilentos,
Expostos como nunca nem em vida
Num falso carnaval de gestos lentos.


(sem data)