Este blog é reservado àquela parcela dos sonetos de Alma Welt que contém suas indagações (e também suas certezas) sobre a Vida, a Morte e o mistério do existir.
A Morte
sábado, 22 de setembro de 2007
Sonetos Metafísicos da Alma (II) (de Alma Welt)
Paisagem- óleo s/tela, de 120x150cm, de Guilherme de Faria, coleção particular, São Paulo
Índice
1 Soneto de Candura
2 Elíseos
3 Ananke
4 Jocosa física
5 O Vazio
6 Metamorfoses
7 Nightmare
8 Bucólica
9 Days of wine and roses
10 Délire de Grandeur
Soneto de Candura
1
Aproxima-se a estação festiva
E eu, da minha janela para o mundo
Indago-me se ainda estou viva
Se o meu viver assim me vem do fundo
Da alma, ou se acaso ainda me encolho
No grande útero ideal em que me aninho
Á custa da beleza que recolho
Como palha e gravetos para um ninho.
Lá fora, na real periferia
Sei que me espera a alegria
Sincera, que a face lhes decora
Pois da humana condição sempre me alegra
A tocante ingenuidade que vigora
No coração, que à luz assim se integra.
Elíseos
2
Ao longe bate um sino insuspeitado
Na grande cidade barulhenta
Recriando um prado recortado
Na alma, por corrente muito lenta.
E atraída pelo som das badaladas
Encontro a capela que me chama
Para o encontro matinal, longe da cama,
Para onde me atraíram minhas passadas
E à minha própria alma neste templo
O meu coração se sente grato
Por esse paraíso que contemplo
Sentada no banco de madeira
Deixando fluir o tal regato
Que vi dentro de mim dessa maneira.
Ananke
3
Eu vi o grande fuso do Destino
Atravessando o céu e a terra num cilindro
De luz, bobinando lento e lindo
Das três Parcas aquele fio tão fino.
Passado, Presente e Futuro
Eu vi de uma só vez nesse momento
E com o mesmo olhar ainda perduro
Perplexa, com o mesmo sentimento,
Pois tive do Mistério a vertigem
Pr fração do Tempo eternizada
E vi do Edifício a fachada,
Embora o alicerce ou sua origem
Permaneça na alma ainda virgem
E a razão de tudo, intocada.
Jocosa Física
4
Há muito me encontro persuadida
De que Deus é mesmo o Sol que ilumina
A Terra, de forma comedida,
Pois se ele se enfurece, nos fulmina...
Mas permanece sóbrio, majestoso,
Produzindo esse calor quase gostoso
Que em geral permite até o prazer
De viver, amar, e agradecer.
E fico assim pasma da pachorra
De Deus, do sol, com a coma loura
Contemplando eternamente esta piorra
Pois num suave bamboleio e giro, qual
Franguinho na grelha a Terra doura
Girando no espeto por igual.
O Vazio
5
O amor é a origem do calor
Que em tudo põe sua nota de vigor
E aquilo que acaso esteja frio
No universo pertence ao seu vazio.
Mas justamente isso é que me intriga:
O imenso Mistério que restara
De Deus que ao criar a chama clara
Também criou sua inimiga.
A luz e a escuridão, por quê a segunda?
Vazio d’alma, o frio coração
Por quê, meu Deus, a dor tão funda,
O bem, o amor, a luz e sua benção
Não se refletem no vazio sideral
Dessa lacuna então preenchida pelo mal?
Metamorfoses
6
O homem Deus criou, foi propalado,
E dele originou-se a mulher.
Essa seria pois um ser castrado
Como a Escritura ainda quer.
Mas protesto, e prefiro a solução
Do grego que rachou o ser ao meio
Por um golpe de Zeus, que assim veio
Colher um e outro lado, o garanhão.
Pois homem e mulher, o mesmo ser
Foi duplicado pelo deus p’ro seu prazer
Com pequenas diferenças de desenho
Mas ambos com um grato desempenho
Pois se só homens possuem os seus compridos,
Ambos pelo deus são possuídos.
Nightmare
7
Acordo nesta cama em que estou,
Assustada, em plena madrugada,
E logo me dou conta, espantada,
Que um silêncio fundo me acordou.
Nem um latido ao longe, nem um galo
Nem o cri-cri dos grilos que são gratos
Quando anunciam chuva, nem os sapos,
Tampouco o Tempo escoando pelo ralo.
E esse silêncio atroz me desespera
Pois deve ser o mesmo dentro a tampa
Fechada do caixão que nos espera
E corro ao espelho apavorada
Por um segundo antevendo minha campa
Sobre a bela face descorada.
Bucólico
8
Ouço a música divina de Beethoven
Na suave pastoral de um movimento,
Um adágio ou um andante ‘poco lento”
Mas não Como aqueles que só ouvem
Pois participo, eu sei, desse passeio
Com o mestre pelo campo em primavera,
Sentindo em seu olhar, que nada alheio,
O camponês na alma ele tempera.
E tanto bucolismo ideal
Me faz por um segundo perceber
Que a alma pode a esse mundo pertencer
Já que, como veio, ela voltou
À antiga Arcádia ancestral,
Onde a doce Psiqué se originou.
Days of wine and roses
9
Quando presa nos braços como torno,
De um homem, assim contida e apertada,
Às vezes me dou conta do retorno
Ao ser que fui, reintegrada.
E atribuo a isso essa saudade
Essa ânsia de voltar a esses braços
Que me faz parecer criando laços,
Já que amada fui à saciedade.
E então, pergunto aos homens e aos vinhos
O que acontece com as mulheres amorosas
Que parecem agarrar-se como rosas
Quando lançadas assim com seus espinhos
Sobre as roupas ou as peles, pegajosas,
Cobrindo e cobertas de carinhos.
Délire de Grandeur
10
Quando lanço minha alma no papel
Em verso ou em desenho assim gravada
Percebo-a então multiplicada
Correndo para o mundo num tropel
De almas iguais, mas facetadas,
Estilhaços da Alma, contundentes,
Ou em nuvens amorosas, envolventes,
Fragmentos das paixões acalentadas.
E então, no meu delírio belle-époque
Me sonho conhecida do Oiapoque
Ao Chuí, na minha terra assim tão vasta.
E me vejo pequenina em minha estância
Olhando a linha que o olhar arrasta
Pelo pampa, em toda a sua distância.
FIM
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