Lançar um soneto no papel
É como “deitar sortes à ventura”*
Na expressão antiga do cordel
Que incorre numa certa ruptura.
Sim, pois que há o antes e o após
Do soneto último e durável
Por fração do gozo e do inefável
Desfrute produzido assim a sós.
Serei eu o que fui antes do verso
Que me transfigurou o pensamento
Fechando ciclo agora controverso?
Lançada em novo impulso para o mundo
Sou doravante o fruto do momento
Que ofertou não sua face, mas o fundo...
(sem data)
Nota
Neste soneto (recém-encontrado na arca da Alma) de implicação metafísica, Alma expressa a modificação (ou renovação) que o poeta sente durante e mesmo após a criação de um novo poema. Ela quer dizer que o momento da criação não pode ser avaliado em sua superfíicie, e que a Poesia revela esse "momento" (a instantaneidade do presente) em sua profundidade iniciática que só os poetas inspirados costumam perceber.
"...deitam sortes à ventura"- Essa expressão lusa arcaica, que pode ser entendida como um jogo qualquer de tirar a sorte para escolher alguém, é citada do poema narrativo português, precursor do cordel brasileiro, "Romance da Nau Catarineta", que no Sul ganhou melodia e era cantado no "fandango" até o final do século XIX.
(Lucia Welt)
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