A Morte

A Morte
óleo s/tela de Guilherme de Faria 1967

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Big Bang, ou a Fúria do Logos (de Alma Welt)

Medito sobre a verve do poeta
E o perigo de lidar com as palavras
Para além da ilação delas, direta,
Com a semeadura e suas lavras

Já que os vocábulos são germe
De novas inquietudes e questões,
Quer colhidos com outras intenções
Ou plantados abaixo da epiderme

Do ser, aquém da carapaça,
Ou ainda bem debaixo da razão
(e nisso consiste a ameaça)

Pois a fúria contida na origem
Fez do “logos” a causa da explosão
Que criou o Universo e sua vertigem...

(sem data)

Ulisses (de Alma Welt)

Viver o mundo, esperança e agonia
E a louca incerteza da existência,
Driblando a mortal melancolia
Que é sempre o final ou a falência

De todos os sonhos e saudades
Por mais que a névoa dispersemos
De nossos erros e maldades,
Pequenos que sejam, de somenos,

Eis a tarefa heróica desse ser
Que é o homem, na sua dimensão
Tão dúbia de tristezas e prazer.

Enfim, tornar-se surdo à algaravia
Ou amarrar-se ao mastro da razão
Na última e arrastada calmaria...

05/01/2007

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Vida em verso (de Alma Welt)

Constato que possuo dupla vida
Revendo-me mais nítida nos versos
Que continuam a vibrar depois de lida
E perpetuam lances bons e os adversos.

E ao rever esta já vasta bagagem
Que refaz meu percurso depurado
Eu percebo que nada foi bobagem
E o que a letra grava está gravado

E passa a ser a vida verdadeira
Pois o fato e o gesto se perderam
Na fugaz e vã vida primeira.

Eco de mim mesma que me encanta,
Sou ninfa cujos dons emudeceram
Mas ao tornar-se pedra vive e canta...

(sem data)


Nota
Mais um um notável soneto recém-encontrado na Arca da poetisa. Alma reafirma mais uma vez, com a bela metáfora do mito de Narciso e da ninfa Eco, a sua fé na realidade da Poesia, na consistência de uma vivência em dimensão poética, como propunha Novalis.(Lucia Welt)

domingo, 23 de agosto de 2009

As perguntas... (de Alma Welt)

Longas vigílias, sofridas, da razão,
Em que a mente luta contra o fado,
O triste destino em comunhão
Do homem como ser desamparado.

Somos para a morte e por certo
É esse o grande laço que nos une
E talvez o segredo do deserto
Com que às vezes o coração nos pune.

No fatal desenlace somos unos
Ou, ao contrário, é a suprema solidão?
Quais os signos e momentos oportunos

Onde a revelação está, se nos escapa?
A resposta é uma cruz, uma canção,
Ou se encontra em nós sob uma capa?

(sem data)

domingo, 16 de agosto de 2009

Reminicências (de Alma Welt)

Outrora eu ia nua até a fonte
Buscar água e ervas milagrosas
Que aprendia com mestre Quironte
O mago das quatro patas grossas.

Nos sagrados bosques de Elêusis
Fui discípula daquele sábio nume,
E por colegas tive semideuses
Cultuando do mestre o claro lume.

E ninfa eu mesma fui ou me tornei,
Perdoem-me vocês a bizarria
Aparente do que agora me lembrei,

Pois o que fluente a mente aborda,
Reparem, não é nenhuma algaravia
Mas aquilo que a alma ainda recorda...

(sem data)

Zen (de Alma Welt)

Para poder conhecer e revelar
A linguagem das coisas, tão cifrada,
É preciso ter a mágica mirada,
Aquela do pintor ao retratar

O tema, o ser humano ou objeto,
Que o mesmo amor sem sentimento
Ou sentimentalismo, o que é mais certo,
É preciso para tal empreendimento.

O olho preciso é o que é preciso
E a mente vazia de conceito
Para captar o mais conciso

Que nasce da forma em traço ágil
E é a fala das coisas, seu proveito,
Quando tudo se calou, e é tão frágil...

(sem data

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Para chegar à casa (de Alma Welt)

Para chegar à casa de meu pai
Também tive fortes descaminhos
Daqueles que erraram no Sinai
E outros talvez mais comezinhos.

O bezerro de ouro não havia
Entretanto fui tentada no deserto,
Melhor dizendo: em plena pradaria*,
Por quem não contava tão por perto.

E agora sob a noite enluarada
E o imenso dossel do meu destino
Eu agradeço estar na minha morada

Pertencente e por fim apaziguada,
Sendo parte integrante “del camino”
E a traduzir em versos a jornada...

(sem data)


*Nota

"Entretanto fui tentada no deserto,
Melhor dizendo: em plena pradaria"

- Por curiosidade, republico aqui o soneto que se refere à tentação que a Alma sofreu na pradaria, por parte de Mefistófeles, uma das configurações de Lúcifer, que já havia tentado Fausto. Tenho motivos para crer que se trata de epísódio real da vida da Poetisa do Pampa:


A Tentação da Alma (de Alma Welt)

(152)

Uma vez estando eu a passear
Pela minha dourada pradaria,
Como de hábito imersa num cismar
Que me levava além da alegoria,

Onde coisas, numes, deuses, tudo junto
Cercava-me e querendo-me com eles,
Eu encontrei um tal Mefistofeles
Que não fazia parte do conjunto,

E este rogou-me desnudar-me
Que queria que queria admirar-me
Prometendo-me tesouro todo à parte.

E eu que não me faço de rogada
Fiquei nuínha, e sim, sem querer nada,
Disse: "Eu mesma sou o Ouro e a Arte!

03/12/2006