A Morte

A Morte
óleo s/tela de Guilherme de Faria 1967

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A Jornada ( de Alma Welt)

A quem agradecer tanta beleza?
A Deus, ao Cosmo, à Mãe Natura,
Ou ao Tempo que a todos nos matura
Pra ceifar-nos logo, com crueza?

Acabamos de aprender alguma cousa,
E depois de tantos erros e erratas
Estamos aptos a escrever na lousa,
Que afinal será um nome e duas datas.

Mas se a vida foi bem desfrutada
E co’a sabedoria estamos quites
Pelo menos já fruímos a jornada

Que terá sido tão bela de se ver...
E a verdade é a beleza, disse Keats, *
Era tudo o que havia pra saber.

06/11/2006

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O Armário (de Alma Welt)

Tanta poesia no mundo a nos cercar!
Quem ousará dizer que tudo é mau?
Haja alma para tanto assimilar
E haja coração pra tanto sal

Da Vida, da Poesia, da Beleza
Que mesmo o próprio homem recriou
Além da que restou por gentileza
De Deus quando ralhando nos deixou

E se retirou pro firmamento
Onde permanece até o momento
De vir suspender nosso castigo

Que é da alma o armário escuro e fero
Onde eu com minha letra mal consigo
Escrever o meu poema enquanto espero...

(sem data)

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Quem sou, de onde vim... ( de Alma Welt)

Quão perto estou de entender tudo!
Quem sou, de onde vim, vou para onde...
Acreditem-me, eu creio e não me iludo,
É algo que ao olhar se nos esconde

Mas que mora dentro de nós mesmos;
Algo que está conosco sob um teto,
Que a Poesia co’ele lida em outros termos
Como um culto iniciático e secreto

Em que remexe as vísceras de um bode
Como outrora os gregos e romanos
(que o ser humano procura como pode)...

Bah! Falando em vão de tudo isso,
Chego a conclusão que há muitos anos
Habito um caos secreto e insubmisso...

(sem data)

sábado, 18 de dezembro de 2010

Metamor (de Alma Welt)

Não mais me importar com ser amada...
Quem me dera chegar a tal momento
E viver em plenitude e alheamento
O Ser do ser, e amar sem sentir nada!

Sim, como se Amor o corpo fosse
No gesto simples de doar e de colher
Como as flores se dão ao nosso ser,
Só muda fragrância, seca ou doce...

Nada de palavras, nem poemas
E muito menos os dúbios sentimentos
Tão cheios de equívocos, esquemas...

Sem coração que quer reter, capturar,
A aura intangível dos momentos
Inefáveis, que podemos só lembrar...

18/09/2006

sábado, 27 de novembro de 2010

Canção do Amor Louco (Alma Welt)

Também hei de cantar o louco amor,
E desde logo consultei o coração
Para saber se atingi um tal teor
Que me mereça cantar sua canção.

Que não ouse aquele que amou pouco
Ou fez do amor barganha ou possessão
Tentar ser porta voz de um amor louco
E alheio a meios tons e à concessão.

Amor move as estrelas disse Dante
Que sabia do amor em sua fonte,
Embora nem amado e nem amante,

Mas amou tanto que chegou até a luz
Que é da Divindade a própria ponte
Que leva ao louco Amor que nos conduz...

(sem data)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O interdito (de Alma Welt)

Este senso de beleza que ganhamos
De Deus, em nossa própria natureza,
É o melhor de nós, que desfrutamos
Do paraíso, não perdido, com certeza,

Se jaz em nossa alma assimilado
E posso recompô-lo a cada passo
Quando estou a vagar pelo meu prado,
Diária romaria que ainda faço...

E vejo que está completa a vida,
Não perdemos nada, isso me intriga,
A expulsão nos foi só advertida

Como falsa reprimenda, só um pito
Diante do mistério do interdito
Contra o qual Deus mesmo nos instiga...

(sem data)

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O Eterno Retorno (VI) (de Alma Welt)

Às vezes ser mais simples eu quisera,
E viver sem questionar o tempo e o ser,
A razão de se viver e essa quimera
Que nos exige trabalhar para viver,

E buscar ser feliz a todo custo,
Mesmo contra a nossa própria mente
A recordar a dor, o medo e o susto
De ver tudo perdido de repente...

Mas perdido o quê, além da vida,
Que pelo que se espera lá no fim
Infelizmente já é coisa resolvida?

Talvez viver seja somente procurar
Voltar ao par que fomos no jardim,
Bem antes deste mundo começar...

(sem data)

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Il Carnevale (de Alma Welt)


Il Carnevale (de Alma Welt)

A vida é sofrimento, a morte é mais.
Prazer e dor, o resto é veleidade...
Vivemos nossos sonhos mais reais
Entre um e outro sonho de verdade,

Que são os que vêem de outro plano
Que de tão vasto e ignoto me consola
Por saber que esta vida é um engano
E o Sonho é maior, e não esmola

Pelos tormentos da vida neste vale
De sombras que bailam delirantes
Já que isto é mesmo “il Carnevale”

De uma louca Veneza atemporal
De gestos estudados e arrogantes,
Sob as neutras máscaras de cal...

(sem data)

sábado, 2 de outubro de 2010

A Alma do poema (de Alma Welt)

Já tudo é só poesia para mim,
E o poema não é algo destacado
Do viver, do ser, ou algo assim,
O justo sentido experimentado...

Mal posso conceber que uns não vejam
O mundo revelado como vejo,
E as coisas veladas mesmo estejam
Para alguns olhos eivados de desejo,

Que deveria ser motivo suficiente
Assim como o amor, para a poesia
Apresentar-se assim a toda gente.

Mas percebo afinal, e meio triste,
Que a alma do poema renuncia
A preencher um vazio que resiste...

(sem data)

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A linguagem das coisas (de Alma Welt)

As coisas todas falam de algum modo
A linguagem do indizível e inaudito
Dentro do silêncio com que rodo
Os olhos ao redor ou com que fito

Para encontrar o elo que as liga
Nesse imenso discurso natural
Livre da malícia e da intriga,
Do tal pecado isenta e do mal

Ausente do espaço entre os astros
Que mal podemos conceber em anos-luz
Pois que temos contados nossos passos

Com nossa pequenez esbravejante
E toda essa empáfia que a conduz
A carregar o mundo qual atlante...

O pó e a luz (de Alma Welt)

O pó tem sua essência revelada
Quando dança na luz filtrada em frestas.
Para o grego era a alma figurada
Que nos cobre o mundo e as arestas.

É um consolo saber que tudo vive,
O mistério preenche-lhe o vazio,
E o nada, pavor que sempre tive,
Seria a razão mesma do que crio...

Pois saber quão pouco conhecemos
Nos dá esperança de sentido
Nesta vida às cegas que vivemos.

Assim, é bem possível vida eterna
E até um paraíso prometido
Na pequenina luz de uma lanterna...

04/12/2005

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A Lição de Hesse (de Alma Welt)

Viver no mundo, como nele não estar;
Respeitar a lei e os costumes
Conquanto bem acima se alçar
E ter só nos artistas os meus numes...

Foi isso que aprendi com Hermann Hesse,
Mas não só os escritores o ensinam.
Também, é preciso que eu confesse,
Os que uma má pintura não assinam.

Assim, criar acima do viver,
Mas não esquecendo que o humor
É a suprema criação do humano ser,

Que o artista tem quando é fecundo,
Uma concessão feita de amor,
E consiste num fingir estar no mundo...

(sem data)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O cristal do poema (de Alma Welt)

Sabemos que o poeta não tem fim
E fica vicejando eternamente,
Não porque não morra ou coisa assim,
Mas porque o que lança é a semente.

Pois o poema em si morre e se refaz
No pensamento vivo que o defronta,
Como uma alma que não tendo paz
Volta porque ainda não está pronta.

Assombrados então pelo poema
Convivemos com mundos perdidos
De palavras e seu pródigo sistema

De trazer-nos o espelho das idades
Pra que possamos ver-nos refletidos
No cristal terrível das verdades...

(sem data)

terça-feira, 7 de setembro de 2010

O Propósito (de Alma Welt)

Meu propósito não é senão poesia
E nada mais desejo senão isso:
Tornar-me o que cedo eu antevia,
A palavra e seu grande compromisso

Através de uma vida de labor,
Polindo em filigrana o verso fino
Para corresponder em forma e cor
A um alto modelo mais divino.

Passar a caravana enquanto latem
Ou mesmo dedicar-me às firulas
Enquanto os mil aflitos se debatem

Não é bem o que faço, com certeza.
Se assim pensas que vivo, tu me anulas,
Creio buscar, senão a luz, uma clareza...

(sem data)

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A Linguagem de Deus (Alma Welt)

Estar com o poema, em sintonia,
Que existe palpitando sob tudo,
Que tudo é matéria de Poesia,
Que nada é opaco, inerte ou mudo...

Aos olhos do Poeta sob o céu
As coisas falam ainda, e o coração,
A linguagem primeva de Babel,
Aquela mesma anterior à confusão.

Eis a nossa sedução de filhos pródigos
Que buscam o pai malgrado os danos
Causados às terras e aos códigos!..

Nos recompomos na língua verdadeira,
(que Deus deixou um rabo da primeira)
Pr’ Ele mesmo entender o que falamos.

10/01/2007

sábado, 4 de setembro de 2010

A Poetisa (de Alma Welt)

Então vede como a Poetisa nasce!
Seu estro do Nada não brotou,
Mergulhada que tem a sua face
Na Alma do Mundo que espelhou.

Ela sou eu, tu és e somos nós...
Sua alma está em nós disseminada,
Tanto mais que paga o preço atroz
De ter a sua existência duvidada.

Mas ao debruçar-se sobre o verso
Nas horas de prazer ou de agonia
Descobriu seu consolo no adverso...

Pois se muito sofre quem amou,
Mais beleza planta quem a cria
E torna-se ela própria o que criou...

(sem data)

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Testemunho (de Alma Welt)

Dar o testemunho meu de vida,
A mim mesma parecia pretensão
Conquanto já estivesse resolvida
A registrar cada passo neste chão.

E cada pensamento ou devaneio
Deveria fixar como sagrado
E nada me seria então alheio
E eu seria tudo o que é pensado.

Pois ser é infinito, sem limite
Se podemos o todo em tudo ver
E o inefável apresenta seu convite...

A beleza de tudo é coisa séria
Quando libertamos nosso ser
Do próprio desprezo da matéria...

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A Recriação de Lilith (de Alma Welt)

Consta que um mago da Judéia,
Que era um alquimista disfarçado,
Conseguiu recriar ante a platéia
O Ser Primeiro, belo e rejeitado,

A primordial mulher do pobre Adão,
Lilith, que por ter sopro divino
Entrava com o macho em colisão,
Mas já com a sedução do feminino.

E Adão que já era um bom covarde
Queixou-se ao senhor, de sua consorte,
Que afinal o acudiu um pouco tarde

Pois o homem ainda tenta recriá-la
Pois seu fascínio Eva não iguala
Mesmo que seja Vida, e ela... a Morte.



E mais este:

Confusão (de Alma Welt)

De muito longe no tempo vem minh’alma,
Assim como as mais puras dentre vós
Que recordamos a raiz do nosso trauma
Co’a confusão lingüística da voz...

Mas Deus alternativa oferecia
Além do aprendizado desses códigos:
O dom maior da Música e Poesia
E da boa acolhida aos filhos pródigos.

Desculpai-me a confusão, por minha vez,
Que muitos acham só insensatez
Eu assim misturar temas e conceitos.

Mas creio estar tudo interligado,
E o Retorno ao Paraíso, programado,
A charrua abandonando e nossos eitos.

(sem data)

terça-feira, 13 de julho de 2010

Ainda o Poeta (de Alma Welt)

Observo as crianças nos seus jogos,
Lindas, a correr pelo jardim,
A brincar como o poeta com o Logos,
Qual se fora correto e sábio fim.

Tudo é infantil, e o esquecemos...
Levamo-nos a sério, a ferro e fogo;
Nos esfalfamos tanto e queremos
Com esforços ou só com prece e rogo.

Mas ao poeta cabe ser só o vigia
No farol, desarmado sentinela,
Ou curioso que tão somente espia.

E se tiver que tomar parte na loucura
Que seja para pôr mel e canela
Nesse confuso caldo de amargura...

(sem data)

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O Eterno Retorno (IV) (de Alma Welt)

Construo a cada dia minha jornada
De sonhos e verdades para mim,
Mas como a mais urgente empreitada
De quem sabe que a vida tem um fim,

Mas também finalidade: crescimento
E construção de um berço de acalanto
Pra de mim mesma o próximo rebento
Que levará a tocha do meu canto...

Pois Alma sou, do Mundo, e já sabia
Que a mim devo sempre recordar
Que ao humano cabe ser luz e Poesia.

E assim voltar poeta neste mundo,
O mesmo, mas um pouco mais profundo,
Para, um dia, ao Lar Primeiro regressar...

(sem data)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Reflexão (de Alma Welt)

Quão dúbia é a nossa humanidade,
Mormente no que tange à alegria
Que tanto almeja a eternidade
Quanto dessa rota nos desvia!

Perdida nos meandros do nadir,
Às voltas com um rol de ninharia,
Em nome de hipotético porvir
Como se fim e morte não havia...

O passado, rico em seu resíduo,
E a memória, sua vocação eterna,
São o lastro-ouro do indivíduo,

Mas só a Poesia ainda elucida
O teatro de sombras da caverna
Cujo elenco tememos na saída...

(sem data)

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Alma Frankenstein (de Alma Welt)

Que posso eu, vã poeta deste Pampa
Fazer em relação ao triste Mundo,
Que é o lado sombrio que destampa
A caixa de Pandora que é, no fundo?

O Olimpo éramos nós, ou Paraíso,
Num tempo que perdemos por maldade;
O abismo que cavamos, mal juízo
Que fizemos de nossa deidade...

Querer mais... da humanidade a maldição,
Fagulha a nós legada por aquele
Prometeu, de quem somos a metade.

Qual Frankenstein, somos filhos da Razão
Que nos deu a solidão, a mesma dele,
Desterrado de toda sociedade...

16/12/2006

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Nichos e fronteiras (De Alma Welt)

Escrever para um leitor imaginário,
Reverente, disponível, apaixonado,
É a ilusão do poeta em seu contrário:
O ser nele socialmente motivado...

Pois o campo do poeta é a solidão,
Espaço de angústias indizíveis,
De um vago vagar na vastidão
Eivada de sombras e desníveis,

Espectros a se esgueirar furtivos
Que fazem sinais pra que os sigamos
Aos nichos profundos do que amamos,

E a uma outra fronteira perigosa
Onde cessa sua poesia e sua prosa,
Limite da razão e dos motivos...

(sem data)

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Revelando tudo (de Alma Welt)

Revelando tudo aos meus leitores
Construo o meu mistério humano,
Pois aquilo que se esconde não tem cores
Pelo menos nesta vida ou neste plano

Como os gatos na noite, todos pardos,
Que são furtivas sombras de delírios
De mente mais afeita aos duros cardos,
E à alvura avessa, como aos lírios...

Não que eu rejeite névoas, meios-tons,
E a sutil mensagem de entrelinhas
Que é prerrogativa de alguns bons...

Mas se foste firme, com inteireza,
Quem ousará cobrar mais do que tinhas
Se desnuda ofereceste tua beleza ?

15/07/2006

sábado, 8 de maio de 2010

Alef (de Alma Welt)

E me vi num espaço de alforria
Onde antes corria aquele vento
Ou rio do meu próprio pensamento,
Que há tempos a Morte perseguia.

E eis que o Tempo cessa por encanto
E me sinto de repente em plenitude
No cenário da minha juventude,
E dessa memória guardo o espanto.

Quão belo é o hiato que me acalma
E faz ver o equilíbrio delicado
A que o homem precisa dar a palma!

Essa zona de silêncio em meio ao prado
É um Alef sublime, e tudo é uno:
A alma e seu amor, o fogo e o fumo...

(sem data)

sexta-feira, 23 de abril de 2010

A Chave (de Alma Welt)

Prenda igual às outras nunca fui,
Pois a Arte foi minha prioridade
Desde que, ao piano, em tenra idade,
Ouvi meu pai num tema que evolui

Em seqüência ou num moto perpétuo,
E vendo que aquilo era um inseto
Besouro ou abelha, tal e qual
Eu ouvia na coxilha ou no quintal.

E pareceu-me a chave do viver
Verter em melodia os sons da vida,
Que a palavra também podia ter.

Desde então eu persigo a tradução
De tudo ao meu redor com a intenção
De ver no mundo minha face refletida.

(sem data)

domingo, 18 de abril de 2010

Perto do coração da Vida (de Alma Welt)

No soneto de estro inesgotável
Persigo o próprio coração da vida.
E ele me há de revelar a impalpável
E real face do ser, quase perdida.

O significado da existência,
Estou persuadida: está oculto,
Desafiando o homem e sua ciência,
E alheio a toda fé e todo culto,

A um palmo, um dedo, um quase nada,
Misturado nos afetos e no laço
Que une um ser ao outro na jornada,

No garimpo do poema, na bateia,
Numa pedra, talvez de brilho baço,
A Verdade... sem aplauso e sem platéia.

(sem data)

segunda-feira, 29 de março de 2010

O Ser e a Morte (de Alma Welt)

A Morte sempre envia seus sinais,
Mas o faz em código sutil,
Nem sempre com os signos fatais
Mas como um vocábulo entre mil

Mensagens que o dia nos transmite
E nos tiram da possível sintonia
Com aquele pavio de dinamite
Que, visto, faz da vida uma agonia.

Não podemos pensar, este é o jogo
Proposto ao Homem racional,
Propenso a questionar o seu malogro.

Pois se a pedra dura, e o diamante,
Por quê é o Ser, assim, alvo do mal
Que torna todo esforço irrelevante?

09/07/02006

quarta-feira, 24 de março de 2010

O plano da Vida (de Alma Welt)

Qualquer coisa vista em minha vida,
Incluindo a que existe só na mente,
Será no meu poema revivida
Para eu ser em mim mais claramente.

Que presunção! És louca, hás de convir...
Dirão aqueles que lançados na corrente
Crêem que basta estar para existir,
E que a vida a si mesma se contente.

Mas, vê: todos lançam sua semente
Porque uma vida é pouco e nos desmente,
Sejamos animal ou simples planta,

Se após tanto penar e tanta lida
Seja o plano de Deus, pra nossa Vida,
Morrer, dormir, sonhar... depois da janta.

(sem data)

terça-feira, 23 de março de 2010

Édipo (de Alma Welt)

Saber nosso lugar aqui na terra
Não é tão óbvio, simples e direto.
Alguns nascem no seu pé-de-serra
A maioria vem apenas sob um teto,

Inesquecível, sim, como cenário
Das visões primeiras, encantadas
Como aquela mancha no armário,
Um duende sorrindo para as fadas.

Mas depois começa o nosso exílio
E toda uma vida de procura
Para encontrar de novo o domicílio

Onde ocorreu em nós a ruptura.
E frente ao velho casarão estacionar,
Dizendo: Foi aqui. Cheguei, posso parar...


28/09/2006

terça-feira, 2 de março de 2010

Postfácio (de Alma Welt)

Saberei parar um dia e emudecer,
E conformar meu passo ao coração?
Olhar as profundezas do meu ser
E estar bem, ali, c’os pés no chão?

A dor se tornou arte, isso foi bom...
O poeta irá tornar-se o cisne negro
Num longamente acalentado som,
Seu solo patético e mais íntegro.

Cantei por não saber calar a vida
Neste coração que se entusiasma
Pelo belo, o puro, e mesmo a lida.

Quanto à dor, também a vejo assim:
Como um último e íntimo fantasma
A dizer: “Viva, viva, viva” até o fim...

15/01/2007

domingo, 28 de fevereiro de 2010

O Cenário (de Alma Welt)

Passamos a vida a construir
Um cenário coerente, quero crer,
Para podermos simplesmente ser,
Despojados da idéia do porvir,

Que é a maldição da consciência,
O rubro fruto amargo da Razão,
Que nos trouxe angústia e aflição,
Por nos ser da Morte a vã vivência.

Mas, pensando bem, nosso animal
Resta-nos no âmbito do instinto
E dele vem o tal terror fatal...

E sofro, hesito e me debato
Ante o Nada que será o entreato,
Ou a tela em branco que não pinto...

(sem data)

O Retorno II (de Alma Welt)

A Aurora do Homem está por vir
Quando sem o medo que o atrasa,
Andará, sem choro ou mesmo rir,
Sobre a Terra que será a sua casa.

Já o vemos: é uma luz na multidão
Que se espalha e abre uma cortina
No antigo e endurecido coração
Que treme pois ainda a raiva o mina

Contra a dura maldição do Criador
Que nos lançou também contra a mãe Gea
Numa fúria de revanche e de rancor.

E voltaremos às terras e às águas,
Como bem antes daquela má idéia
Que nos deu menos prazeres do que mágoas...

23/07/2006

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A Solidão do Poeta (de Alma Welt)

Não espero ser bem compreendida
Pelos anos em que vivo ou logo após,
Mas se a Arte é solidão atroz,
É abraço também na despedida...

É consolo, pranto em ombro quente,
Pois que tudo é matéria de poesia,
É um olhar incólume entre a gente,
Mas que tudo colhe e se apropria.

E se à vezes me sinto assim tão só,
A ponto de gritar contra as paredes
Ou sair rolando nua pelo pó,

Eu me envergonho logo da fraqueza,
Ante vós, outros poetas que me ledes,
E volto a assumir minha riqueza...

21/07/2006

O Poeta e o levante (de Alma Welt)

Através dos milênios à porfia,
Carrega o poeta a sua tocha,
E o tão sagrado fogo da Poesia
Pesado vai ficando, como rocha.

A solidão aumenta a cada século,
Que, nós, milênios dentro carregamos,
Que ser poeta é ser como um espéculo
Da espécie que o saber e dor herdamos.

Que importa se o tempo nos compreende!
A missão é passar o fogo adiante,
Um poeta com outro só se entende

Desde o nadir do ser, de trás pra diante,
Como esgarçada malha que se estende,
A esperar de nós nosso levante...

(sem data)

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Ode à Alegria (de Alma Welt)

A dor do mundo vem do coração,
De nossa angústia, peso e compunção;
Mas a alegria, ah! essa é profunda,
Que de água meus olhos quase inunda.

É a tal celebração na despedida,
E o abraço ardente na chegada;
É quando mais a gente fica unida
E mais se sente amar e ser amada.

Mas se só amamos quem amamos,
Perdemos o valor de sermos homens
Em meio a tantas lutas e desordens.

Alegria congrega e unifica,
Traz de volta a inocência e reivindica
O Éden que era em nós, e o deixamos...

(sem data)

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

A Nau, ou O Mistério de Viver (de Alma Welt)

É tão fina a sintonia do real
Que podemos perdê-la por descuido.
O menor toque errado no dial
E teremos só estática, ruído,

Além dos tais fantasmas do passado,
Aqueles que geramos todo dia
Formando, paralelo, um outro fado,
Que da rota verdadeira nos desvia.

Mas, o mistério de ser e estar na vida
É que sendo tão frágil o equilíbrio
Como nau na procela enraivecida

Que quer ver capitão vencido e morto,
Singramos e empenhamos nosso brio
Qual se nos aguardasse um belo porto...

28/09/2006

Funhouse (de Alma Welt)

Quantos mundos existirão no mundo?
Infinitos, responderei com espanto.
E entre tantos, só já não confundo
O que demônio é... e o que é santo.

Vejo reflexos, ouço ressonâncias,
Fragmentos que formam um mosaico,
Fazendo do real e suas instâncias
Um jogo de montar um tanto arcaico.

Assim, nada é mesmo o que parece,
E é preciso cada fato interpretar
Para entender a teia que se tece.

Mas não pode apostar em seu juízo
Quem, por viver, como eu crê habitar
Uma casa de espelhos e de riso...

14/05/2005

O ser e o nada (de Alma Welt)

Não podemos entender o que é Morte
Tampouco sabemos o que é Vida
A cultura quer trazer algum aporte,
A coisa é o que lhe é atribuída.

Mas se nossos hábitos deixamos
E esquecemos um pouco das lições,
Nada refaz o senso que emprestamos,
Cai o mistério sobre as mínimas ações.

Vede como é fútil o dia a dia,
A passagem das horas é atroz,
Nos debatemos a falar algaravia,

Um código de sons balbuciados,
Mero jogo de crianças nos gramados
Enquanto avança a sombra sobre nós...

(sem data)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Cada homem é uma Ilha, ou Os sonhos da Razão (de Alma Welt)

Poderemos conhecer um ser humano?
Nossas mentes poderão sintonizar
E as palavras e os sentidos conformar
Sem incorrer no velho ledo engano?

Cada um de nós é só uma ilha
Perdida na imensidão do pélago,
Ou então com espaços de uma milha
Formamos infinito arquipélago.

Os continentes?... são inflados egos,
Contrariando a proposta do poeta
Que estava a escrever para uma neta

Ou para alunos jovens bem bisonhos
E tratava de mantê-los todos cegos,
Que da Razão os sonhos são medonhos...

(sem data)

Nota
Como alguns leitores já perceberam, minha irmã, a grande Poetisa Alma Welt, não tinha compromisso com pensamentos bem comportados, ou com o politicamente correto. Nada de pontificantes sentenças morais e caminhos a seguir. Ela tinha o elevado pessimismo dos verdadeiros idealistas. Seu questionamento do ser e do sentido insondável da vida, era rebelde e só não desesperado por conta de seu gosto inabalável pela beleza trágica da vida. Neste soneto ela faz uma paráfase antitética dos versos de John Donne: " Nenhum homem é uma ilha"..... "todos somos parte do continente". E uma alusão ao dístico de uma gravura de Goya : "El sueño de la Razón produces monstruos".
(Lucia Welt)

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Metafísica, ou O vôo do mosquito (de Alma Welt)

Às três ou quatro conhecidas dimensões
Que podemos constatar ou só inferir,
Se juntará a mais sutil das ilações,
Que é a nossa dimensão de Existir.

Entretanto dela não sabemos nada,
Nem o sentido, quanto mais definição.
Todavia persistimos na jornada
Como se isso fosse mesmo conclusão.

Mas o simples mistério da Existência
Descortina para nós o Infinito
Que por certo disso tudo é a essência.

Mas o que é a Essência não sabemos,
Pois ainda nem sabemos do que vemos
Além do simples vôo de um mosquito.

(sem data)

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A pedra e a rosa (de Alma Welt)

O ser humano tem a ânsia da fusão,
Do misturar-se ao outro docemente
Pra estar além da inata solidão
Em que o corpo é cárcere da mente.

Mas quantos vãos rodeios sedutores
A alma pra se unir deve fazer,
Tão próxima do outro, seus pendores,
E tendência a tão só permanecer

E de restar no meio do caminho
Por medo do silêncio que ali medra
Depois de todo o imenso burburinho.

Pois a procura é antiga e duvidosa
Como a filosofal e rara pedra
Que cria ouro, em vez de pura rosa...

19/01/2005

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

A canção do bem-te-vi (de Alma Welt)

A canção do bem-te-vi está nos genes
E a maneira de um vestir o paletó
Assim como outras coisas mais perenes
É sempre algo que retornará do pó.

Nisto consiste da memória o tal milagre
Que morando nas pequeninas células
Faz que um gesto ou canto se consagre,
Mal-me-quer a renovar as suas pétalas...

Assim, o amor também já vem de longe
E tudo é reencontro ou só memória,
Ninguém foge da sina, nem o monge.

E se o barquinho persiste na procela
Eis nosso afinal consolo e glória:
Temos mesmo do divino uma parcela!

14//08/2007