A Morte

A Morte
óleo s/tela de Guilherme de Faria 1967

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Embocaduras (de Alma Welt)


Gravura de Gustave Doré ("Me encontrei numa selva escura..." ( Dante Alighieri, Divina Comédia)

Embocaduras (de Alma Welt)

Perdida a mão do sal da tua poesia
É como ter perdido a embocadura *
De tua flauta conhecendo a partitura
Ou sabendo de cor tua sinfonia...

Nada mais podes fazer senão parar
E pausar a pena ou o teclado:
A poesia não é terra de se arar
Nem jardim, menos ouro do Eldorado.

O portal desesperado não esperes *
E o teu cicerone é um tanto rude, *
Talvez lobo e leopardo consideres. *

Podes bem encontrá-lo à revelia,
Foste parar na Terra da Agonia,
Perdida a tua louca juventude...

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Notas

* Perdida a mão do sal da tua poesia
É como ter perdido a embocadura
De tua flauta conhecendo a partitura * - alusão à perda súbita do jeito para a culinária ou o jeito certo de assoprar o bocal ou palhetas num instrumento de sopro, fenômeno imponderável que pode acontecer com os cozinheiros e músicos. Aqui, no caso, será uma comparação com o súbito estancamento do fluxo de inspiração que pode ocorrer ocasionalmente com os poetas...

*O portal desesperado não esperes - O portal do Inferno da Divina Comédia, de Dante, em que estava escrito: "Deixai toda esperança, vós que entrais".

*E o teu cicerone é um tanto rude - na Comédia o cicerone do Poeta era o polido Virgílio, poeta romano da antiguidade. Alma adverte que agora até o guia será adverso...

*Talvez lobo e leopardo consideres... - Alma se refere às duas feras que acuaram o poeta Dante no meio da Selva até diante do portal do Inferno, onde não pode senão adentrar, para não ser devorado. Agora, Alma sugere que, a esta altura, é melhor encará-las pois já não estás na tua louca juventude que preferiu atravessar o sinistro portal...

domingo, 13 de julho de 2014

Meta-linguagem (de Alma Welt)


Procurar com afinco o meu silêncio
Há de exigir de mim outras palavras
Que construam um tal vazio imenso
Como som da semente em minhas lavras.

Mas antes devo a mim mesma esgotar
Confessando tudo e o indizível:
Aquilo que não ousei sequer pensar
Pois pertence à alma noutro nível.

Então estarei nua no universo
Explodindo em supernova o ser disperso
Como uma estrela morta em seu colapso.

E ficará de mim só a memória
Pra quem quiser pegar o fio da estória
Como da pobre língua um mero lapso...

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A Caverna (de Alma Welt)

 
                               A Caverna de Platão - pintura de Maria Tomaselli (200x160cm) 

A Caverna (de Alma Welt)

"Muitas coisas estão claras, afinal.
Viver não chega a ser finalidade
E por isso esse conflito universal
Entre o coletivo e a unidade... "

A quê mesmo te referes, criatura?
Então não vês que não te cabe nem julgar,
E se a obra humana pouco dura
Logo o golem vai o Oleiro criticar?

Continuas desde sempre às cegas,
Tateando pelo meio da caverna
Só para ver se a tua sombra pegas...

Sê humilde, se puderes, por enquanto.
Báh! evites o conflito e a baderna
E escolhe pra morrer, aí, um canto...

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Notas
* logo o golem vai o Oleiro criticar?- Alma faz referência à célebre lenda judaica do Golen: Um rabino querendo imitar Deus cria uma figura de barro e por artes alquímicas confere-lhe vida, criando uma criatura grotesca viva, mas de barro, um monstro...
Com este verso Alma quer dizer que nós humanos somos o golen de Deus, o Supremo Oleiro, e bonecos imperfeitos ousamos criticá-lo...

* tateando pelo meio da caverna - Alma alude ao famoso Mito da Caverna, de Platão, alegoria da condição humana predileta dos psicanalistas...