A Morte

A Morte
óleo s/tela de Guilherme de Faria 1967

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A linguagem das coisas (de Alma Welt)

As coisas todas falam de algum modo
A linguagem do indizível e inaudito
Dentro do silêncio com que rodo
Os olhos ao redor ou com que fito

Para encontrar o elo que as liga
Nesse imenso discurso natural
Livre da malícia e da intriga,
Do tal pecado isenta e do mal

Ausente do espaço entre os astros
Que mal podemos conceber em anos-luz
Pois que temos contados nossos passos

Com nossa pequenez esbravejante
E toda essa empáfia que a conduz
A carregar o mundo qual atlante...

O pó e a luz (de Alma Welt)

O pó tem sua essência revelada
Quando dança na luz filtrada em frestas.
Para o grego era a alma figurada
Que nos cobre o mundo e as arestas.

É um consolo saber que tudo vive,
O mistério preenche-lhe o vazio,
E o nada, pavor que sempre tive,
Seria a razão mesma do que crio...

Pois saber quão pouco conhecemos
Nos dá esperança de sentido
Nesta vida às cegas que vivemos.

Assim, é bem possível vida eterna
E até um paraíso prometido
Na pequenina luz de uma lanterna...

04/12/2005

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A Lição de Hesse (de Alma Welt)

Viver no mundo, como nele não estar;
Respeitar a lei e os costumes
Conquanto bem acima se alçar
E ter só nos artistas os meus numes...

Foi isso que aprendi com Hermann Hesse,
Mas não só os escritores o ensinam.
Também, é preciso que eu confesse,
Os que uma má pintura não assinam.

Assim, criar acima do viver,
Mas não esquecendo que o humor
É a suprema criação do humano ser,

Que o artista tem quando é fecundo,
Uma concessão feita de amor,
E consiste num fingir estar no mundo...

(sem data)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O cristal do poema (de Alma Welt)

Sabemos que o poeta não tem fim
E fica vicejando eternamente,
Não porque não morra ou coisa assim,
Mas porque o que lança é a semente.

Pois o poema em si morre e se refaz
No pensamento vivo que o defronta,
Como uma alma que não tendo paz
Volta porque ainda não está pronta.

Assombrados então pelo poema
Convivemos com mundos perdidos
De palavras e seu pródigo sistema

De trazer-nos o espelho das idades
Pra que possamos ver-nos refletidos
No cristal terrível das verdades...

(sem data)

terça-feira, 7 de setembro de 2010

O Propósito (de Alma Welt)

Meu propósito não é senão poesia
E nada mais desejo senão isso:
Tornar-me o que cedo eu antevia,
A palavra e seu grande compromisso

Através de uma vida de labor,
Polindo em filigrana o verso fino
Para corresponder em forma e cor
A um alto modelo mais divino.

Passar a caravana enquanto latem
Ou mesmo dedicar-me às firulas
Enquanto os mil aflitos se debatem

Não é bem o que faço, com certeza.
Se assim pensas que vivo, tu me anulas,
Creio buscar, senão a luz, uma clareza...

(sem data)

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A Linguagem de Deus (Alma Welt)

Estar com o poema, em sintonia,
Que existe palpitando sob tudo,
Que tudo é matéria de Poesia,
Que nada é opaco, inerte ou mudo...

Aos olhos do Poeta sob o céu
As coisas falam ainda, e o coração,
A linguagem primeva de Babel,
Aquela mesma anterior à confusão.

Eis a nossa sedução de filhos pródigos
Que buscam o pai malgrado os danos
Causados às terras e aos códigos!..

Nos recompomos na língua verdadeira,
(que Deus deixou um rabo da primeira)
Pr’ Ele mesmo entender o que falamos.

10/01/2007

sábado, 4 de setembro de 2010

A Poetisa (de Alma Welt)

Então vede como a Poetisa nasce!
Seu estro do Nada não brotou,
Mergulhada que tem a sua face
Na Alma do Mundo que espelhou.

Ela sou eu, tu és e somos nós...
Sua alma está em nós disseminada,
Tanto mais que paga o preço atroz
De ter a sua existência duvidada.

Mas ao debruçar-se sobre o verso
Nas horas de prazer ou de agonia
Descobriu seu consolo no adverso...

Pois se muito sofre quem amou,
Mais beleza planta quem a cria
E torna-se ela própria o que criou...

(sem data)

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Testemunho (de Alma Welt)

Dar o testemunho meu de vida,
A mim mesma parecia pretensão
Conquanto já estivesse resolvida
A registrar cada passo neste chão.

E cada pensamento ou devaneio
Deveria fixar como sagrado
E nada me seria então alheio
E eu seria tudo o que é pensado.

Pois ser é infinito, sem limite
Se podemos o todo em tudo ver
E o inefável apresenta seu convite...

A beleza de tudo é coisa séria
Quando libertamos nosso ser
Do próprio desprezo da matéria...