A Morte

A Morte
óleo s/tela de Guilherme de Faria 1967

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A Câmara Escura (de Alma Welt)



A Câmara Escura (de Alma Welt)

Há momentos em que nos despedaçamos
Contra as arestas do nosso próprio ser,
Então a duras penas nós juntamos
Nossos cacos num mosaico de viver.

Na imagem interior restam fissuras
Como fossem cicatrizes das batalhas
Que travamos não com outras criaturas
Mas conosco mesmo e nossas falhas.

“Mas então, onde é que entra o mundo
Nessa tua síntese autofágica,
Se consideras só teu ser profundo?”

Na câmara da alma é o contrário:
O mundo é o ser na caixa mágica
Como reflexo invertido num armário...
 
 

domingo, 4 de novembro de 2012

Dualidade (de Alma Welt)


Que imensa dualidade é a Arte!
Resultado da perfeita sintonia

Com a própria alma em harmonia
Com o Cosmo e o Caos, a contraparte.

Pois tudo o que há no Universo
Tem a sua razão, mas o absurdo
Quando existe cai muito bem em verso,
Como a Nona foi feita por um surdo.

Até o Bem e o Mal se complementam
Na estrutura perfeita de uma obra
Pois que na falta de um, poucos agüentam.

Eis então porque consigo ser artista:
Porque a minha alma não me cobra
Ser boa ou ser malvada, senão mista.

domingo, 7 de outubro de 2012

Meu Trem (de Alma Welt)


Ainda espero o trem que chegará
Pontualmente embora não sei quando
Trazendo alguém do Reino de Acolá
Onde o vento faz a curva e vem cantando

 Buscar-me, ele vem, na plataforma
Que é esta minha varanda centenária
Onde estar sentada é minha norma
Sempre a tecer a minha teia solitária

E a contar em sonetos minha saga
Que é a da individualidade
Do ser cuja chama não se apaga

E resta para sempre e mais um dia
Na estação, como eu em tenra idade
A esperar o próprio trem que me trazia...

De vida, fastios e domingos (de Alma Welt)


Tenho pudor de ficar enfastiada
Ou de repente ter um certo horror
Desta vida terminar numa maçada
Que é essa de morrer, suprema dor...

Mas é isso que faz de mim humana,
Eu suponho, embora nada saiba
Da razão de ser de uma semana
E o quanto da vida nela caiba.

Mas o fato de ter sempre um domingo
Como para descansar da própria vida
Ou para conferir o nosso bingo

É mais uma evidência do nonsense
Desse viver que tão mais me põe perdida
Quanto mais profundo eu nele pense...

 

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Ao Poeta em mim (de Alma Welt)



Ingenuamente movido por certezas
Pensas abrir sendas neste mundo
Quando apenas seguir podes correntezas
Que levaram a tantos para o fundo.


Mas além dentro de ti, algures
Se encontra a chave do Mistério
Que talvez nem saibas que procures
Pois até uma criança brinca a sério...

Repara à tua volta, meu amigo,
A vida solene e atarefada
Que gira em torno ao teu umbigo!

E já que és o centro do universo,
Cuida da precisão do teu destino
Que é só caber inteiro num teu verso...

domingo, 2 de setembro de 2012

Viver, pensar (de Alma Welt)


Viver é duro ao se pensar a Vida,
Melhor é não pensá-la e vivê-la.
Mas se não pensada é pura lida
É preciso parar para bem vê-la.

Mas se paramos começamos a pensar
E enxergamos pois o lado escuro
Que é a face da Morte a assombrar
Quanto mais do pensar se faz apuro.

Báh! Pensar e não pensar é impossível
Viver em plenitude é doloroso
Mas não querer sofrer é desprezível.

Pois se não vivemos, só pensamos,
Um gosto fica, assim, meio travoso
De não saber pra quê na Vida estamos...

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Balanço (de Alma Welt)


Entre a entrega e a rebeldia,
Balanço, como entre amor e arte.
Eis aí a minha fonte de Poesia
Que encontro em mim e em toda parte.

Tudo é tema, angústia e ironia...
O prosaico também, se o transfiguro,
Pois o ser humano em estado puro
Já nasce com um dom de nostalgia.

Termos vindo de remoto Paraíso
Nos dá esse olhar para a beleza
E essa espera pelo Dia do Juízo

E a esperança de voltarmos ao Jardim
Onde seremos um com a Natureza,
Não mais exílio, tu em ti e eu em mim...

terça-feira, 19 de junho de 2012

O Labirinto (de Alma Welt)

Que a vida tem surpresas todos sabem,
Não podemos só com a lógica contar...
A seqüência dos fatos que nos cabem
Nunca nos leva para idêntico lugar...


A cada um destino próprio e inusitado,
Eis o mistério de estar vivo: não saber
Se o gato em nossa noite é todo pardo
Ou se brilhará no escuro o nosso ser.

A que viemos? Alguns temos certeza,
Quando somos poetas ou artistas,
Que isso basta para produzir clareza...

Pois se na grande noite afundaremos,
Que luminosas sejam as nossas vistas
Se o fio do labirinto não herdemos...

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Daimon * (de Alma Welt

Que imensa ilusão é a vida nossa
Mormente com o que fazemos dela,
Tão distante da chama de uma vela
Quão da lua refletida numa poça

Que unos nos faziam e mais inteiros,
Como observar nossa animália
E o belo crescimento dos canteiros,
Ciclo vital que pouco ou jamais falha...

Ah! Ambição e os sonhos de grandeza
E mesmo os de amor eternizado
Em cenário duvidoso de beleza!

Riqueza e glamour, quanta inocência!
Nossos nomes nas bocas e aclamado,
Nosso daimon a serviço da demência...

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Nota
* Daimon - Segundo o escritor Nelson Rego o daimon, para os antigos gregos, é tanto a natureza externa quanto a interna. É a potência para perseguir o que faz falta. Ao mesmo tempo interno e externo, ele é o indivíduo e algo além do indivíduo. Em princípio, nem bom, nem mau – mas, com certeza, forte –, o daimon pode ser a correnteza que leva para qualquer direção. O indivíduo pode ter êxito com esse algo que está além e o habita. E pode também ser esmagado pela força tremenda que ele traz.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Teatro de Sombras (de Alma Welt)


Teatro de Sombras (de Alma Welt)

Vou tentando descobrir o teu segredo,
Ó Morte, com as chaves que mal conto:
Razão e raciocínio... engano ledo;
Memória e intuição, avanço um ponto.

No coração, lá seja o que isto for,
Hei de descobrir o que é isso,
Para livrar-me a mim de tanto horror
E aceitar o Nada mesmo, se preciso...

Pois não é provável tanto escuro
Sem luz clara projetada na parede
Em que as sombras distorçam um futuro.

E se ao homem não é dado se saber,
Renego minha carne e minha sede
E já prefiro só na alma me caber...



Nota
...Pois não é provável tanto escuro
Sem luz clara projetada na parede
Em que as sombras distorçam um futuro.

Percebe-se neste terceto uma alusão ao Mito da Caverna, de Platão...